Tudo novo de novo
O início de ano, quando há troca de gestão municipal, não surpreende ninguém. E quando há troca de gestão estadual e federal, não é diferente. São comuns os discursos tarimbados, com argumentos fantasiosos e copiados dos governos anteriores (nunca cumpridos, de fato). São mais comuns ainda as votações de projetos polêmicos em ampla aceitação justamente nos dias em que ninguém está com paciência para a política.
Então, ano sim ano não, a gente acaba passando pelo mesmo tipo de raiva. Não indico remédios, embora os conheça (alguns, inclusive, um nocaute), não indico nenhuma atividade além do saco de pancadas e do ódio, por mais infantil que pareça. Eu diria, inclusive, que sentir ódio da política brasileira é como a gripe: todos teremos um dia. Umas fortes, outras fracas, umas retornam depois de um tempo, outras são curadas rapidamente, mas basta um nariz entupido para o incômodo reaparecer e as lembranças poluírem a nossa memória. Com a política é também assim.
E, de fato, a mudança de gestão é uma festa. A ala vencedora promete honestidade e transparência. A ala perdedora se cala, tenta um estreitamento de laços e, talvez, uma vaguinha como cargo comissionado, afinal, eles sempre podem precisar de um favor aqui ou acolá. Dois meses antes, se ofendiam mutuamente em debates na rádio ou na televisão, agora discursam em tom harmonioso. Isso é absolutamente normal, porque, como diz o jargão dos anos oitenta ou noventa (não sei, exatamente), a política é suja. Não há como discordar. E esse encardido não sai de jeito nenhum.
Legislar em causa própria parece ser um dever tão importante quanto prometer melhorias para a saúde e para a educação durante a campanha. Passam meio ano dizendo que precisamos de alternativas, defendendo uma nova forma de fazer política, sugerindo que apenas com eles teremos uma saída para um mundo melhor, sem corrupção e, deveras, desenvolvido. Após a eleição, antes mesmo de assumirem os seus tão almejados postos, conseguem (de que maneira, não sei) angariar apoio e aceitação para votarem em regime de urgência o aumento dos próprios salários. Culpa da inflação, claro.
Quando nós estamos pensando em descansar, planejando as festas de fim de ano, organizando a ceia de natal, o reencontro com familiares, as férias ou possíveis viagens, eles, nossos amigos vereadores (inclusive os que não se reelegeram ou não tentaram a reeleição), por sua vez, estão votando rapidamente o aumento dos seus honorários.
Prefeitos, vices e secretários são também lembrados nessa barca, por obviedade. Eu sempre me perguntei por qual motivo os vereadores merecem salários tão altos, visto que, as sessões das câmaras municipais ocorrem, geralmente, à noite, e eles não precisam deixar os seus empregos para cumprir sua função política. Até entendo que, muitas vezes, viajam pra lá e pra cá, buscando apoio, emendas parlamentares e seja lá o que for; no entanto, ainda acho que o pagamento de diárias para esses translados já bastaria (embora recebam o valor da mesma forma, em adição ao salário). Além disso, as sessões, por vezes, não duram sequer uma hora. Então, poderíamos considerar que um vereador de cidade média ou pequena, recebe o equivalente a quatro ou cinco salários mínimos, quando pouco, para participar de quatro ou cinco horas de sessão por mês. Não parece estranho para vocês?
Não ficarei aqui comparando o custo de cada vereador, nem calculando o salário dos vereadores com o do cidadão comum, tampouco dividirei esse montante por horas trabalhadas. Não gostaria de causar constrangimentos (na verdade, gostaria). Por isso, quero apenas expressar a minha desvelada indignação com os aumentos dos nossos representantes, que chegam, em alguns casos, a dobrar o salário dos ilustres.
Não preciso lembrar que isso tudo sairá do nosso bolso, cada vez mais vazio. Sinceramente, me revolta saber que calculamos os centavos para pagar as contas, enquanto os impostos que nos consomem acabarão engrossando o feijão daqueles que tão humildemente vieram nos pedir votos e prometer renovações políticas, aqueles que, aliás, nunca mais apareceram. Me revolta ainda mais o fato de fazerem essas votações nos inícios de gestão e rirem quando questionados, defendendo a necessidade de tal acréscimo por conta da inflação, do acompanhamento do mercado ou da equiparação com cidades do mesmo porte.
Gostaria de dizer um foda-se na cara de cada um que votou a favor do próprio aumento salarial, por mais rechonchudinhos e polidinhos que sejam seus argumentos. É inadmissível pensarem nisso em primeiro plano, quando as cidades enfrentam problemas sociais e ambientais, problemas de mobilidade urbana e segurança pública, problemas de habitação e saneamento básico, problemas com a educação e com a saúde, dentre tantos outros. Mas fazer o que, não é? Rir e desejar um feliz 2025, que seja um ano de muitas realizações, maravilhoso mesmo.